" A NUDEZ"

A nudez

Nua como a semente. Lá estava ela. Meio demente ou completamente consciente. Em uma consciência só dela, que é imperceptível aos nossos olhos retrógrados e frívolos.
Olhavam-na como se nela houvesse uma espécie de ouro indesejável – brilhante, reluzente, precioso, embora indesejável por não houver coragem suficiente de buscá-lo.
Ela estava lá, naquela multidão de olhos iguais, fulminantes e famintos de medo. Intrépida nas cordas bambas dos julgo, caminhava como uma bailarina ao vento, no ar, sendo impossível cair.
Em seus seios havia marcas de dentes; ela alimentou todo o seu universo. Em seu umbigo existia a contração do nascimento; ela pariu todas as suas sombras para fora de si. Em suas pernas de cicatrizes várias tinha um colosso da sustentação de todo o seu corpo; ela bailava todas as danças da sua redondeza.
Não tinha pés. Foram arrancados dela quando descobriram que ela podia voar.
Sua grandeza era tão escalafobética, tão incabível em qualquer definição e tão sem forma e ao mesmo tempo forte e densa que de súbito éramos obrigados a fechar os olhos para vê-la.
Ao falar de olhos, os dela eram de além. Olhos que viam além de tudo o que aparentemente parece ser. Ela era capaz de ver além da linha do horizonte, além do fatigar humano, além das retinas indolentes, além dos calos das vítimas, além dos calos dos tiranos.
Suas mãos não tinham traços de labirintos dos fados; era uma mão lisa. Não havia linhas, delineamentos, nem um sinal para os profetas. Ela havia limpado todo o seu fado.
Em sua expressão não havia sorriso e nem lágrima; seu ser era de uma paz atemporal, na qual, transcende a alegria e a tristeza. E em suas leves rugas, os desenhos do seu deus criança, que mal aprendeu a desenhar.
Em seu coração não existia nódoa e pulsava como um tambor estelar repleto de infinda existência.
Suas mãos bailavam no invisível, e em seus diversos gestos suaves, era desejoso se atentar para os seus dedos compridos e harmônicos.
Lá estava ela; junto à primavera, junto ao seu cerne incorruptível, junto à elevação que não se atinge pelos os julgo alheios. Não se importava com as palavras ultrajes, com os silêncios delambidos, com as bocas estupefatas, com o sangue nos pulsos, com as cóleras de quem não sabia reconhecer nela a pureza nata de um deus.
Chamaram-na de louca, como provinha chamar. Tamanha era a sua sensatez que ela aceitou a sua loucura.
Sem pés, em pé; lúbrica e imaculada; aterrada e voando; confusamente bela; dignamente nua.
Mas a multidão não suportou a brandura sem forma de um ser atemporal, vendo através dos seus monóculos limitados e tacanhos, atiraram pedras e fogo. Atiraram através da agressão os seus desejos de serem maiores a ponto de ser igual. Agrediram por medo da liberdade. E como ela não tinha mascaras nem escudos para protegê-la, as pedras rasgaram a sua carne e o fogo os seus poros. E quantos mais acometiam suas profundas fúrias, mais bela ia se tornando ela; pois ela ia se tornando luz. Suas veias iam se rompendo, e ao invés de sangue, saiam delas luzes de todas as cores e no chão formavam as artes dos pintores invisíveis que nela habitavam.
Das suas vísceras rompidas surgiam poesias dos tocantes mais sublimes dos seus diversos poetas.
Por fim, restou apenas o néon de um corpo ressequido e a reluzente alma de um ser que nos habita. Essa luz foi se espalhando e adentrando as entranhas da multidão, e coexistindo com o “Ela” que há em todos.
E ela, não se tornou santa, bendita ou heroína, mas tornou-se a nudez de cada Ser.

Daniella Paula Oliveira
31/03/2010

1 Response to "" A NUDEZ""

  1. Maria Laura Neves Says:

    Imagens criadas pela "nudez" das palavras.
    Muito lindo...
    Bem haja irmã.
    Até sempre.
    NAMASTÉ.
    Áurea

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