LUSTRAL

                         Lustral   

 Daniella Paula Oliveira - escritora e professora cuiabana




Andei arrumando as gavetas... Jogando aqueles mínimos e míseros papéis fora. Àquelas lembranças desnecessárias, que juntas, mesmo pequeninas, tornam-se pesadas. Organizei os livros na estante e me desfiz daqueles cuja presença servia unicamente para apresentar um pseudo-intelectualismo torpe. Àqueles, onde meu olhar descompromissado com a vida percorria, mesmo sem abri-los, só para a efêmera sensação de possuir “conhecimento”. Junto com os livros, desfiz-me da necessidade de possuir qualquer coisa, até mesmo, o que até então, julgava conhecimento. Arrumei os armários e quebrei todos os copos do cotidiano. Retirei a poeira das taças de cristal e as coloquei para o uso diário; pois há de haver celebração e beleza nos instantes, mesmo os chamados triviais. Terminei a toalha de renda que comecei há uma década e meio atrás. Substitui a de plástico da mesa de jantar, pela a toalha rendada, que os meus dúbios dedos teceram sem muita destreza, porém, com imensa vontade de vê-la pronta. Também substitui a frivolidade do excesso de rapidez, pela a bela intenção do trabalho terminado. Comprei uma tela que retrata uma canoa no mar. Coloquei-a na parede da sala. Todas às vezes que a olharei, lembrarei que sempre há bons ventos para àqueles que não têm medo de navegar. E também um jarro para colocar flores, e prometi a mim mesma, que as ofertarei para minha dama interna sempre que possível. Retirei do meu guarda-roupa as cores extravagantes e deixei as alegres. As que dizia sensuais, para não me igualar aos vulgares, mas que na verdade eram também vulgares, e deixei as que acentuam o que o meu corpo possa ter de belo e delicado. Retirei as do verão passado e as do inverno retrasado, pois as estações passam, e mesmo cíclicas e ritmadas, apresentam sempre algo novo e mais digno. Por fim, limpei o chão como quem limpa o coração; como quem tece um branco e puro vestido de noiva; como quem planta rosa e decora um jardim... Enquanto via a vassoura expurgar a sujeira do chão, deixava que as lágrimas dançassem na minha face, e que a minha alma fosse seguindo o mesmo movimento da varredura, e retirando de si as poeiras que a fazem chorar. Às vezes é preciso organizar, desfazer, substituir, limpar... Dar espaço para que o novo aconteça, para que o lodo saia e o que verdadeiramente somos renasça. Cada um é o único responsável para transformar o seu grande caos em pequeno cosmos. Não duvidemos que a ordem seja o céu plasmado; não duvidemos que ao soprar para o vento o que podemos ter e fazer de melhor e mais límpido, para nós será devolvido o melhor e o mais nobre. Desapegar é um ato de coragem. Ordenar é um ato de beleza. Colaboremos, pois, com a Natureza da Vida, sejamos corajosos e belos com o nosso lar interno e externo, só assim, conheceremos um naco da Perfeição, um singelo, porém satisfatório, pedaço do que chamamos de Céu.


 Daniella Paula Oliveira – 01 de julho de 2012.

3 Response to "LUSTRAL"

  1. Simone Bichara Says:

    Dani, seus textos me encantam... Há uma sabedoria de "velho" em tudo que você escreve, ao mesmo tempo há leveza, beleza e poesia mesmo que o assunto seja triste. Grata po rsua parceria e irmandade. Meu eterno carinho, Simone Bichara

  2. Simone Bichara Says:

    Daniella, amo tudo que você escreve, você nasceu pra isso. Sucesso! Beijo. Hildegardo

  3. Fátima Almeida Says:

    Antes de tudo uma excelente escritora. Espiritualizada, mediúnica talvez, certo é que eu ganhei um belo presente embrulhado numa das frases do texto. Eu tinha que ler esse texto neste momento para acrescentar ou somar algo que eu não possuía em meu método pessoal de auto-conhecimento.Muito obrigada Daniella!

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