EM DIAS AMAZÔNICOS...


O dia amanhece tipicamente amazônico... Chove como se a terra precisasse ser lavada veementemente. O tempo está escuro, fechado como um buraco negro. Às vezes, tenho a impressão de que o mundo vai diminuindo quando as forças das águas assolam minha terra perdida no coração da maior floresta do planeta. Em dias assim, a vida muda seu ritmo, tudo fica mais calmo, as pessoas mais yin, mais molinhas, como se o coração se recolhesse para um mergulho mais profundo dentro de si. Em dias assim, paramos para pensar e refletir vagarosamente, pois o tempo torna-se um aliado dos homens. Não há muito que se correr. A chuva brincalhona faz alarde com seus grossos pingos prateado; juntos, a lama, o barro vermelho e liso, a falta de saneamento adequado para esta região, o frio, o silêncio, todos num grande círculo de cumplicidade conspiram a favor da introspecção – da busca interior. Bem, já que o dia acontece vagarosamente, também vou junto nesse embalo gostoso. De embalo em embalo vamos caminhando, seguindo o rumo que a Existência nos proporciona.
Aprendi que depois da tempestade, por mais demorada que seja o sol sempre aparece radioso e soberano. Cada dia é um dia, é único, incomparável. O amanhã é agora, aqui, hoje! Tenho aprendido o valor do viver intensamente os momentos; tenho aprendido a confiar na força poderosa do tempo; venho aprendendo a me conhecer um pouquinho melhor; venho conquistando um espaço maior dentro de mim, um espaço onde me cabe com minhas alegrias e dores, um lugarzinho onde eu possa me receber e me acolher com carinho e zelo.
Viver é verdadeiramente a maior arte! Somos por tanto, artistas desde a hora em que nascemos até a passagem para a vida espiritual. O grande aprendizado se dá à medida que vamos aperfeiçoando-nos na arte de viver. Não o viver por viver, mas o viver real, onde nossas vidas se tornam templos de alegrias, harmonia e criatividade; onde o nosso existir torna-se um elo de comunhão com a terra, com a natureza e os homens; e cada segundo se faz eterno e pleno de nós mesmos. Viver é compreender o sentido maior da vida, é sentir que a nossa essência verdadeira é espiritual e absoluta.
Em dias assim, as reflexões e as lembranças ocupam os pensamentos. O tempo perde sua dimensão e viajamos pelos espaços afora, revivendo os tempos em que nossos corações só sabiam amar e apreciar todos os instantes de vida – nossos tempos de infância, os quintais floridos, a chuva caía arrastando do alto as mangas saborosas; tudo era festa, as noites de lua cheia; o período de festa junina, as brincadeiras de roda, as estórias de assombração. A poesia vivia solta no ar, tudo encantado, alegre, vivo... A gente foi crescendo, assumindo compromissos, sendo ‘obrigados’ a correr, sobreviver, e o dia-a-dia foi ficando árduo, chato; perdemos o sentido maior da vida, esquecemos nossas raízes e por tanto quem somos; preenchemos nosso ser de tantas coisinhas que substituem o alimento verdadeiro para nossas almas – um espaço que nos caiba por inteiro, assim, do jeito que somos.
Mas, em dias como o de hoje, a luz cede espaço para as sombras das nuvens negras no céu da nossa terra. Silêncio, casa, impossibilidade de sair, ir pro mundo, correr... O mergulho quase obrigatório... Que bom! Tomara que cada um aproveite esses dias! Espero que seja bom para todos, os dias de chuva forte e de movimento lento. Desejo que cada um possa fazer o mergulho, olhar para si e perceber o que está faltando para ser um pouquinho mais feliz.

Simone Bichara



2 Response to "EM DIAS AMAZÔNICOS..."

  1. Maria Tereza Says:

    mto bonito o texto
    gostoso de ler

  2. Fatima Says:

    taum lindo

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