MANDALA 'JUREMA'

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Jurema

Cabocla. Guerreira. Mulher. Menina. Anciã.
Peitos latejantes. Busto lancinante. Espelho virado a Tupã.
Floresta. Rios. Igarapés. Lodos.
Iodos revestidos de verde. Lampejos de dor e amor – no coração da Jurema.

E lá na Mata obstinada de mistério, ouve-se o farfalhar das folhas, surradas pelos pés arredios da Jurema.
Bem lá nos pântanos onde o taciturno vive, sente-se o cheiro do vegetal primordial, perfume da Jurema.
Nas raízes da Grande Samaúma, se vê a sua jibóia. No canto dos pássaros encantados, percebe-se o seu assovio. No cheiro da terra molhada, o seu suor transposto.

Colo meu, colo nosso – colo de divino ócio.
Arrebate-nos sobre as suas flechas, lançando-nos aos céus.
Livre-nos do que for cruel. Livre-nos, porém do falso mel.
Em seus reinos de ervas, prepare-nos o remédio contra as mazelas do mundo.
Toque-nos com as suas mãos de doçura. Proteja-nos com a sua coragem e bravura.

Jurema em seu rito de calmaria e espanto
Tanto muda quanto grito
Tanto medo quanto aconchego
Vem com a sua falange de povos da mata – esbravejar a nova alvorada e recolher a próxima lua.

Jurema que se banha nas cachoeiras nua
Dando ao mundo a sensualidade e a pureza
O parir e a singeleza
Do germinar de uma semente.

Jurema que comanda os pássaros e as serpentes
Nos cipós imolados ao sacrifício da Terra.
Jurema que gera – em seu próprio seio e escárnio
As armas invisíveis que lutam ébrios os povos de Juremá.

Índia que emergiu do profundo rio, dos píncaros das florestas
Do escarlate do dia e da escuridão da noite
Gritando e sussurrando como os seus animais enaltecidos
Vem agora cantar as suas rezas aos entorpecidos – fazendo-os levantar dos seus êxtases.

É hora da batalha! Jurema vem viçosa com o seu penacho de mar, fazer justiça na Terra, guerrear pela paz. Vem da Floresta em suas teias relembrar os ancestrais. Vem fazer culto e festa aos Pajés primordiais. Vem saudar a sua Aldeia e reviver a sua estirpe. Vem salvar a Mata em chama e abençoar os que a amam. Vem fazer chover e trazer o maná de Tupinambá.

Jurema vem a nossa tribo interior através da Mandala que em seu louvor, carrega o seu nome.
Trazendo a fartura do solo próspero arraigados pelo o seu verde leite.
E a alegria do seu deleite faz-nos avivar a emoção.
Cabocla da pena dourada faça morada em nosso coração!


Mandala de Simone Bichara – Texto de Daniella Paula Oliveira


Projeto: A MANDALA E A PALAVRA

"Viagem à Paisagem Llansol". Por Prof. Lúcia Castello Branco

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Para compartilhar um pouco da beleza que ainda anda permeada em nosso mundo, postarei algo da professora por excelência Lúcia Castello Branco. Professora da Universidade Federal de Minas Gerais e escritora que tem a poesia entranhada em qualquer de suas escritas, Lúcia nos presenteia com análises minuciosas e líricas da obra de Maria Gabriela Llansol.
A carta a seguir é um belo fragmento do grandioso trabalho de Lúcia sobre Llansol.


Viagem à paisagem Llansol
Data: 08/08/2008
Lucia Castello Branco


Segundo filme da série “Os absolutamente sós”, cujo foco se volta para a relação se sujeitos singulares com a literatura (o primeiro da série foi o longa-metragem Língua de Brincar, sobre Manoel de Barros), o documentário Redemoinho-Poema, dirigido por Lucia Castello Branco e Gabriel Sanna, percorre as paisagens da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol (1930-2008), na Bélgica e em Portugal, focalizando as figuras de seu texto e de seu afeto. Com ênfase na escrita e na legência, o filme culmina na cena das mãos de Llansol, em sua casa em Sintra, no trabalho de revisão das provas de seu último livro: Os cantores de leitura. O texto-carta de Lúcia Castello Branco, escrito por ocasião da morte da escritora, é também um comentário da legente à cena das mãos de Llansol:


Querida Gabriela,

Em resposta à tua carta de 5 de janeiro de 2008, que só há poucos dias me chegou às mãos, em resposta à tua carta ditada, e escrita na letra de Cynthia, mas que traz abaixo a tua assinatura em letra trêmula e difícil, começo por te dizer que aqui, do outro lado do Atlântico, não são de nevoeiro os dias, mas de fortes chuvas e calor.
Mas em seguida me lembro de como era azul o céu na Serra de Sintra, naquela manhã em que estivemos em tua casa a filmar as imagens destas mãos — as tuas e as de Vina — no trabalho concentrado de revisão de Os Cantores de Leitura.
Olho para estas mãos agora — as tuas e as de Vina — e reparo no anel e na gema do anel e na chama de amor no interior de um anel. Olho para estas mãos que marcam, com firme delicadeza, o texto. E penso no teu legado mais forte: a responsabilidade da forma.
Penso que agora, neste momento em que começas a atravessar o nevoeiro, um pouco do nosso mundo do lado de cá parece ruir. Mas logo me lembro do teu texto, Gabriela, e, como Cantora de Leitura pelo texto convocada, devo assim fazer a minha prece:
Não há qualquer nervosismo em tua mão, que se molda à própria forma com grande destreza. Os teus ouvidos ouvem ____________ e respiram profundamente incitando o teclado, seja o do piano, seja o do papel, a segurar a estrela que vai cair.
E então olho de novo para as tuas mãos, Gabriela, ao lado das mãos de Vina, e sobre elas pouso as minhas mãos, as mãos de Vania, as de Inês e as de Cynthia. Assim:
Não há qualquer nervosismo em nossas mãos, que se moldam à própria forma com grande destreza. Os nossos ouvidos ouvem __________ e respiram profundamente incitando o teclado, seja o do piano, seja o do papel, a segurar a estrela que vai cair.
Sim, Gabriela, atravessaremos juntas a paisagem de nevoeiro e chuva e quase neve. Porque um dia atravessamos juntas o sol de teu nome, escrito hoje na curvatura da abóboda celeste. Tudo, aqui ou lá, continua a vibrar. E, em nome da cena fulgor que nos acompanha,
aqui ou ali, o teu nome vive, nela.

Lucia
Belo Horizonte, 3 de março de 2008.

Créditos: http://www.abpcomunidade.org.br/cultura/revista/exibir/?id=17

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